sexta-feira, 13 de novembro de 2020

ENTREVISTA COM A ENFERMEIRA VALDELÍCIA SANTIAGO - revista STATTO

 


Apresentação:

Valdelicia poderia traçar um histórico de sua jornada profissional até os dias atuais?

O interesse pela área da saúde sempre existiu. Sempre me atraiu e muito. Sinto-me confortável em um ambiente que para alguns é o “caos”. Trabalhei em vários segmentos até iniciar como recepcionista em uma Instituição. E o que era interesse se tornou paixão. Fui adquirindo conhecimento administrativo, como tratar as pessoas e fui me interessando cada vez mais pela enfermagem. Decidi ingressar no curso de auxiliar de enfermagem. E nos estágios senti que era esse meu caminho. Trabalhar na área da saúde foi uma escolha. Estar próxima ao paciente, prestando cuidados é uma das atuações importantes e primárias da profissão. Prossegui nos estudos. Fiz faculdade, me formei em Bacharel em Enfermagem. Fiz duas pós voltadas para o ensino. Uma específica em Docência na Saúde. E hoje acompanho estágios como supervisora, dou aulas teóricas, cursos…. Ser docente não é um trabalho do tipo free lance. É minha profissão. Acompanhando alunos em estágio posso continuar na prática e estar próxima aos cuidados prestados ao paciente/cliente. Participar da formação de novos profissionais é enriquecedor porque de alguma maneira sinto que estou deixando uma parte minha com cada aluno, e fico com partes desses alunos comigo. Enriquecendo assim meus conhecimentos. É uma troca replicar conhecimento, estou em constante aprendizado! E posso dizer com toda certeza que me sinto privilegiada em poder dizer que amo o que faço e faço o que amo. Ser docente é um aprendizado infinito. Porque através dos meus alunos estou sempre buscando aprender…. É estimulante. Gratificante em muitos aspectos… É extremante maravilhoso ouvir alguém me chamando e dizer “oi para o” fui seu aluno… Mas eu continuo buscando novas atualizações. Esse ano já estou prestes a realizar o Curso de PICC (Cateter Venoso de Inserção Periférica) e pretendo fazer Pós em Estomoterapia.

E na vida pessoal, como conseguiu desempenhar o papel de mãe, esposa, filha e agora avó? Conciliar de maneira equilibrada a vida pessoal e profissional, estando na área da saúde é possível?

Sim. Hum…. É preciso encontrar o meio termo. Há fases que fiquei totalmente voltada para o trabalho. É claro que ainda existe a necessidade de descanso. Em alguns momentos é preciso abrir mão de reuniões familiares, de passeios e viagens… Mas é possível equilibrar o trabalho, família e vida pessoal. Claro que pode acontecer algumas cobranças do parceiro em alguns momentos. Mas é possível sim. E é preciso. Você precisa ter um descanso porque o envolvimento emocional é intenso muitas vezes. Precisamos de um tempo para cuidar de nós. E ter algo para fazer fora da profissão. Ler, praticar esportes, viajar, realizar atividades que de certa maneira nos afasta da nossa rotina.

Você se considera uma profissional muito exigente? Como é o olhar de uma profissional de seu gabarito em relação a nova safra de profissionais da área?

Sou mais exigente comigo. Mas sou exigente também com o profissional que estou participando da formação. Esse é meu momento. Cuidar da vida de outra pessoa exige responsabilidade. Vou ser bem sincera, há momentos que fico preocupada ao observar alguns da nova safra. Mas posso dizer que também está surgindo muitos bons profissionais. Que querem e sentem vontade de fazer a diferença. E eu procuro transmitir da melhor maneira possível à necessidade dos novos fazerem a diferença.

As novas gerações romanceiam a área da enfermagem. Já as antigas sabem o quanto foi sacrificante atuar na profissão.  O que a enfermagem representa para você?

Acredito que tanto no passado como no presente a profissão tem seu lado de sacrifício para atuarmos. Alguns acreditam que na profissão não faltará emprego. Eu gosto e costumo dizer para os meus alunos, os novos profissionais e mesmo para as pessoas, que não somos anjos. Somos profissionais capacitados para cuidar de pessoas. Temos uma profissão. Costumo brincar que atuar na área é preciso ter muita força e vontade. A enfermagem é a profissão que eu escolhi paralela à docência voltada para enfermagem. E costumo dizer: se mil vezes pudesse escolher, mil vezes escolheria enfermagem. Uma pessoa me perguntou esses dias porque escolhi a enfermagem. Uma profissão que me deixa tão próxima a dor e ao sofrimento. Mas não é só dor e sofrimento. E não se trata de querer aliviar a dor do outro, porque em alguns momentos somos impotentes e nada podemos fazer. Envolve ciência, pesquisa, aprendizado, cuidado. Para cuidar você precisa conhecer. Você precisa saber. E aliado a todo conhecimento ainda posso segurar a mão de alguém em um momento difícil.

Em sua opinião por que a área da enfermagem, principalmente técnica e auxiliar, não é bem remunerada?  O mesmo ocorre com enfermeiros padrão (com nível superior)?

Procurar uma única razão é complicado. Nesse aspecto podemos abrir um leque de razões. Nos dias atuais temos muitos profissionais da área em busca de uma colocação. Este ano muito se falou sobre isso. Esperamos que a classe seja valorizada tanto em aspectos financeiros como em respeito pela própria profissão. Imagina que em muitas instituições a enfermagem não tem nem mesmo uma sala para repouso. O que temos é a esperança de que os órgãos que nos representam lutem por essa conquista de salários dignos, condizentes com a profissão!

Quais as melhores lembranças que a área te proporcionaram? Consegue citar algumas?

São muitas. Algumas marcam mais que outras. Sem parecer “piegas”, mas ver um paciente voltar e te agradecer pelo cuidado. Um filho retornar para casa, um pai, uma mãe é gratificante. A pessoa está frágil e confia nos cuidados da enfermagem. Posso citar a mais recente. Paciente com AVCH, há meses hospitalizado, sem falar e numa manhã como outra qualquer vou cumprimentá-lo e ele me diz “oi” movimentando os lábios. Não dá para descrever a alegria desse momento. O que faz a diferença é o olhar do paciente ou do familiar. Os olhos são espelhos da alma e não mentem. E ver o agradecimento no olhar da outra pessoa e tudo.

E das lembranças mais difíceis? Poderia mencionar uma?

Uma mãe idosa com um filho internado na oncologia em estado terminal segurou as minhas mãos e perguntou se seu filho seria curado. Eu lhe disse para pedir para Deus fazer o melhor por seu filho…  Saí do quarto e chorei! Para uma mãe, filho não tem idade. Como mensurar a dor de uma mãe? Na verdade, eu ainda choro nos dias atuais. Um aluno uma vez observou: – “Pro”, a senhora ainda chora? Respondi que ainda tenho canal lacrimal. Kkkkkk. Completei… O dia em que a dor do próximo não me atingir então é hora de me afastar da profissão.

Teve uma moça há alguns anos, com traqueostomia, eu realizava a aspiração e aproveitava para falar com ela. Ela só se manifestava pelo olhar. Quando precisei deixar o setor fui me despedir dela e ela chorou, nem preciso dizer que saí chorando. Nesse momento de fragilidade o paciente confia em você. Se sente seguro. Daí a importância do cuidado humanizado, que precisamos colocar em prática.

O que você tem visto nos hospitais, clínicas ou casas de repouso, em relação a proteção das equipes contra a COVID-19? Os EPIs, precauções, medidas de segurança tem sido eficaz até que ponto?

Percebo que existe sim preocupação em relação à equipe e o uso de EPIs é cobrado realmente. Até onde pude observar as devidas precauções tem sido tomada. Para as medidas de segurança ser eficaz, é preciso que o profissional assuma a sua parte. Higienização das mãos, o uso correto dos EPIs e todos os cuidados de precaução precisam ser tomados. Na verdade, a eficácia depende muito de cada um de nós. Porque você pode ter acesso a todos os EPIs, mas se não fizer uso correto, higienização das mãos e etc., o resultado será negativo. Eu particularmente acredito que é uma questão holística, que envolve cada um de nós. E uma fase de conscientização. De mudança de hábitos.

Você perdeu muitos amigos, conhecidos e etc. da área e/ou fora dela para a COVID-19?

Sim. Da área perdi pessoas conhecidas, pessoas do meu convívio. Soube de pessoas ligadas a colegas e amigos. Eu vivi a COVID-19 com meu irmão que ficou em estado grave e com meu filho que é da área (tratou em casa). Quando vai chegando mais perto da gente é assustador. Tem sido dias difíceis.

Qual mensagem gostaria de deixar as pessoas nesse momento ainda um pouco incerto, onde cuidar das emoções, do físico e das finanças tem sido um grande desafio?

Vai passar. Tudo passa. E isso também vai passar. É preciso que aprendamos a viver um dia de cada vez…. Na verdade, já há alguns anos eu costumo dizer: um segundo de cada vez! Porque em um segundo nossa vida pode mudar. Precisamos ter calma, paciência, encontrar força e coragem nesse caos todo. Descobrimos na pandemia que muitas coisas que pareciam importantes não eram tão importantes assim. Mas é preciso que no final, mesmo com todas as dores que tivermos vivenciado, o saldo seja positivo. É um momento de mudanças, de conscientização tanto de nós profissionais como de toda a sociedade.

extraído: https://revistastatto.com.br/lifestyle/entrevista/entrevista-com-a-enfermeira-valdelicia-santiago/




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